A partir de janeiro, países do bloco não poderão comprar itens de áreas desmatadas

Vista aérea de um incêndio ilegal na floresta amazônica às margens da BR-230, no Amazonas: o bloco europeu vai impedir a entrada de produtos que venham de áreas desmatadas — Foto: Michael Dantas/AFP

Porto Velho, Rondônia -
As queimadas recordes este ano terão um custo econômico para além das perdas na agricultura brasileira, no país que é líder nas exportações de diversos produtos, como soja, milho, café, açúcar, suco de laranja e carnes. Integrantes do governo e do setor privado admitem que os incêndios preocupam não só pelo fogo em si, mas porque podem ser usados para desqualificar a produção brasileira.

Esse risco para as exportações se soma à queda de diversas safras (leia mais abaixo), o que torna a crise conjunta do fogo e da seca uma ameaça econômica.

Diante desse cenário, o governo tem levado ao exterior a mensagem de que os incêndios ocorrem em meio a uma forte seca, de que há suspeita de ações criminosas e que outros países também sofrem com o fogo. Além disso, afirma que o Brasil está atuando para conter os problemas. Por isso, argumenta o governo Lula, não haveria motivos para punir as exportações brasileiras.

O governo tenta contornar críticas sobre as queimadas em um momento particularmente delicado: a nova regra da União Europeia (UE) que veta importações de produtos oriundos de áreas desmatadas entra em vigor em 1º de janeiro de 2025. Agilizar compromissos assumidos, como o fim do desmatamento ilegal e a melhora do sistema de rastreabilidade de animais, é um caminho em discussão, como forma de aliviar a pressão externa.

Impacto de US$ 15 bi

Integrantes do governo sabem que a UE e outros parceiros internacionais não voltarão atrás na aplicação de leis mais rígidas na compra de produtos de áreas desmatadas, mas pedem mais tempo de adaptação às novas regras. Para atingir esse objetivo, além de conversas bilaterais, o Brasil tem como estratégia chamar os países com florestas tropicais e exportadores de produtos agrícolas para pressionar as nações desenvolvidas. São exemplos Colômbia, Equador, Malásia, Indonésia e Congo.

Somente para o bloco europeu, a estimativa é que o Brasil deixará de vender mais de um terço do que embarca, algo em torno de US$ 15 bilhões por ano. Carne, café, cacau, produtos florestais e soja estão entre os produtos que podem ser atingidos.

Roberto Perosa, secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, diz que o governo brasileiro concorda com a legislação, mas não há tempo hábil para que as nações se organizem para cumprir as exigências:

— Pedimos uma prorrogação, para que possamos nos estruturar. Mesmo assim, o Brasil tem a produção mais sustentável do mundo e, com certeza, conseguirá entender e responder a todos os questionamentos.

Perosa salienta que as queimadas e os desmatamentos não ocorrem só no Brasil. Por isso, é preciso trabalhar de forma integrada, para que haja atuação conjunta frente às mudanças climáticas por meio da agricultura, que captura e sequestra carbono na atmosfera.

— Está pegando fogo não só no Brasil, mas também nos Estados Unidos, no Canadá, na Ásia, enfim, temos uma grande mudança climática ocorrendo no mundo todo — diz Perosa.

Já o diretor de Política Comercial do Itamaraty, Fernando Pimentel, afirma que o governo tem tomado medidas para coibir as queimadas e diz que elas estão vinculadas a uma seca histórica:

— Chamam atenção, sem dúvida, mas existe uma atitude muito firme do governo no combate aos incêndios.

Outros devem seguir a UE

Ex-secretário de Comércio Exterior, o consultor internacional Welber Barral lembra que outros parceiros internacionais importantes devem seguir a mesma linha dos europeus em relação ao desmatamento, como os Estados Unidos e o Reino Unido. Para ele, as queimadas acabam chamando uma atenção negativa contra o Brasil.

— É necessário que o Brasil não só tome medidas efetivas, como divulgue que está tomando essas medidas — afirma Barral, acrescentando que as emissões brasileiras estão bastante vinculadas a desmatamento e queimadas.

Fernando Sampaio, diretor da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), diz que as queimadas aumentam a pressão sobre para um controle melhor da rastreabilidade dos produtos agropecuários:

— O setor tem percebido que os impactos climáticos são bem reais. Há um esforço para que algumas agendas sejam aceleradas, principalmente o combate do desmatamento ilegal e a implementação do Código Florestal.

Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, afirma que o Brasil já devia ter se preparado para a lei europeia. Ele diz que desmatamento e queimadas abalam a imagem do país, ainda mais quando surgem vídeos mostrando que os incêndios foram criminosos:

— Isso passa uma ideia de descontrole do país. É uma situação que acontece todos os anos, uma derrota do Brasil.


Fonte: O GLOBO