Lula corre o risco de chegar ao fim de quatro anos com números piores que Bolsonaro em área desmatada


Presidente Lula no Palácio do Planalto — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

O governo Lula enfrenta, nas últimas semanas, um 7 a 1 provocado não pela oposição, mas por gols contra em temas da própria agenda, como meio ambiente e direitos humanos. Justamente nas áreas em que o presidente precisaria, e poderia, se distinguir do governo negacionista de Jair Bolsonaro, os fatos gritam e põem em dúvida a capacidade de colocar o discurso em prática.

Os incêndios que castigam todo o país — e devem afetar, e muito, uma economia que vinha mostrando capacidade de resistir mesmo a fatores como juros altos, inflação pressionada e chuvas no Rio Grande do Sul — evidenciaram que, de novo, Lula não levou a sério a emergência climática como prometera aos eleitores e ao mundo.

Nem a acuidade de Marina Silva em fazer diagnósticos e apontar ferramentas tem o condão de, sozinha, fazer frente a uma situação que demonstra a insuficiência de meios técnicos, orçamentários e políticos para ser combatida.

Um Lula perplexo lançou mão do script de sempre diante da fumaça e do fogo. Reuniu um punhado de ministros — escrete que parece cada vez mais limitado, diga-se — e se despencou para a Amazônia para exibir perplexidade e consternação. Muito pouco diante da emergência por que passamos todos nós que respiramos.

O governo se incomodou com a intervenção do seu ex-integrante Flávio Dino, que arregaçou as mangas e saiu expedindo ordens administrativas para medidas (que deveriam ser) triviais como colocar mais bombeiros para apagar as chamas. Mas onde está o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, diante dessa e de outras situações que demandam, também, colaboração do aparato de segurança e coordenação com Judiciário e Ministério Público? Há meses não se ouve a voz do sucessor de Dino, enquanto do outro lado da Praça dos Três Poderes o outro segue a todo vapor.

O caso envolvendo as denúncias de assédio sexual e moral contra Silvio Almeida é outro que desnuda como exalar superioridade moral é mais fácil que agir em situações delicadas. Foi pela demora de Lula em apagar (mais esse) incêndio que o caso ganhou as manchetes, com desgastes profundos para todos.

Diante desse quadro, o presidente corre o risco de chegar ao fim de quatro anos com dados piores que Bolsonaro em tópicos como área desmatada em biomas cruciais, caso de Amazônia e Pantanal. E terá anotado um escândalo com consequências para a luta antirracista e feminista que a pasta comandada por Damares Alves não registrou. Tudo isso enquanto a pauta da absolvição do golpismo bolsonarista avança num Congresso que, a exemplo do fogo, o Planalto ainda não sabe como controlar.

O resultado de tudo isso é uma direita que vai trocando a pele do bolsonarismo para algo potencialmente ainda mais virulento, enquanto o lulismo não encontra um caminho para manter coesa a base que derrotou Bolsonaro e deu uma inédita nova chance a Lula.

A estupefação diante dos temas da modernidade — emergência climática, intolerância contra assédios vários que antes poderiam passar batidos, velocidade do meio digital para criar líderes e amplificar crises — mostra um presidente envelhecido, longe de sua melhor forma como articulador e leitor da realidade, qualidades que já foram cantadas em prosa e verso ao longo de sua carreira.

Lula vai se mostrando um padrinho de poderio limitado nas eleições municipais, fato só agravado porque as crises “em casa” diminuem sua possibilidade de fazer o que ainda mais gosta: estar em palanques falando e falando.

O resultado é uma pesquisa recente, do Ipec, que mostra idêntica parcela dos que o consideram ótimo e bom e aqueles que o avaliam como ruim ou péssimo. Os gols contra a própria meta só tendem a engrossar o primeiro bloco e a fazer minguar o segundo.


Fonte: O GLOBO